segunda-feira, 12 de maio de 2008

de malas e bagagens



Porque é que não me deixas em paz?
Porque é que não desapareces sem deixar rasto, levando contigo as memórias boas e más, para que não possa haver nem sequer saudade do tempo que passou?

Leva tudo contigo, não me deixes nada, pois agora nada és e nada somos. Não me interesso pelas cartas que escreveste, pelas fotos amachucadas nos cantos de tanto serem remexidas, pelos bilhetes dos filmes, concertos, peças de teatro a que assistimos, nem tampouco me interesso pelos pacotes de açúcar das tardes passadas no café, quando saíamos das aulas e a chuva era tão forte que a cafeína era o nosso único refúgio.
Nada disso me interessa.

Leva tudo contigo e não deixes ficar nem a tua sombra esquecida nas paredes brancas, pálidas de falta de tacto, nem deixes ficar no soalho o ranger dos teus passos largos, nem nos lençóis o cheiro inodoro, que não sai por muito que seja lavado, tão impregnado que está na cama onde jaz o meu corpo que foi outrora teu.
Leva tudo contigo, diz-me que levas tudo e que não deixas ficar nada esquecido em nenhuma gaveta de mim, diz-me que tens já as malas feitas e que nelas coube tudo o que te pertencia. Porque eu já não quero nada, eu já estou exausta de tanto querer…
Leva, leva tudo, as manhãs, as tardes e as noites, os beijos, as carícias e os abraços, leva as palavras doces e os sussurros, as gargalhadas e os olhares rasgados, os tremores de excitação e o nervoso miudinho que trepa no fundo da barriga. Leva, leva tudo atrelado ao teu corpo que agora vejo partir sem sequer olhar para trás, sem tentar travar a última batalha até cair rendido, agitando a bandeira branca…

Porque é que insistes em partir deixando comigo pedaços do teu ‘eu’ desfeito? Eu não o quero, não o posso querer mais, não consigo, estou exausta de esperar por um tempo que não chega, por uma altura oportuna, por um momento esparso, rodopiante, em que tudo volte a ser perfeito, em que eu volte a acreditar na perfeição sabendo perfeitamente que ela não existe…

Estou quebrada, sem asas, atada ao chão que me deste, árido, seco, onde nada cresce, onde apenas sinto esvoaçar os grãos da areia em que outrora arrastávamos os passos, num compasso sonante e com sentido…
Agora? Agora não és nada e nada somos, por isso leva tudo, leva, leva tudo contigo, não me deixes ficar nada, porque nada me interessa, já nem eu me interesso, leva-me também, perdida nesses olhos e sorriso, nesse corpo que sempre soube como cavalgar sem mapa pelas dunas da minha mente… Mas que agora se perdeu numa tempestade de deserto, e já não sabe o caminho de volta.

Dá-me a mão e larga-a de uma vez, com a rapidez com que se tira um penso rápido, para que tudo doa menos e para que o sabor do adeus seja simples, como os cafés das tardes chuvosas do tempo em que éramos um só.

Porque é que não vais?
Eu já não consigo aqui ficar.


>>> Mariana Silva
[14 Abril 2008]

2 comentários:

Anónimo disse...

. . .lindo. . . esquece as tardes chuvosas... ;)

Anónimo disse...

Os desgostos dão bons devaneios :p

Rita M.