sábado, 28 de junho de 2008

Como ludibriar todo o metro sem tremer as pálpebras

Num mundo cheio de adversidades, mesmo das mais pequenas, uma pessoa tem de ter os seus truques na manga para os fintar, por interesse ou conveniência, ou simplesmente por capricho. Essas artimanhas envolvem também uma grande parte de seriedade, experiência e engenho. Repito, até os mais módicos não devem ser levados com leviandade.
A paragem de metro mais perto de minha casa ainda fica a uns cinco minutos a pé. A subir. Ao fim do dia, a ideia de custosamente subir uma íngreme avenida a andar assusta. De tal modo que eu teria de fazer algo para que não tivesse de repetir o ritual todos os dias. Acontece que o metro, depois de parar no terminal, dar largo tempo para os passageiros abandonarem o veículo e fechar sonoramente as portas, ainda vai subir um bom bocado a avenida, de modo a poder dar depois a volta para seguir no sentido contrário, quando for hora disso e quando outro metro for a subir. É o ciclo, é uma incansável dança de veículos que, fazendo lembrar gigantes cobras amarelo-metálicas, podia quase ser vista como um ritual de entre os bichos, tal é a coordenação.
Ora acontece que eu, que – perdoem-me a imodéstia – consigo aliar uma singular manha a uma colossal preguiça, teria de tirar partido daquela subida pós-viagem do metro, que se aproxima, na sua fase final, muito de minha casa. Ocorre-me o seguinte: finjo que adormeço, deixo toda a gente sair do veículo à vontade, ignoro a mecânica voz da mulher que expressamente me diz que a saída é obrigatória, deixo as portas fecharem, e aí sim posso abrir o olho, esperar que o metro chegue ao seu destino, e aí saio calmamente, sozinho, à porta de casa, sem ter de subir, sem ter de me cansar, já de chave da mão e sorriso de dever cumprido.
Ah!, como me vou lembrar por muito tempo da primeira vez que concretizei este plano. Estava nervoso, confesso. Temi não dar a ideia de sono profundo, porque tremia demasiado as pálpebras, e guiava-me cegamente pelos sinais sonoros, a indicação das paragens, as portas a abrirem-se e a fecharem-se, a conversa rumorosa dos outros passageiros. Tinha finalmente chegado à última paragem e senti o estômago a apertar, não sei bem porquê, provavelmente o que mais me deixou impaciente foi a perspectiva de que, caso aquela artimanha falhasse, lá teria eu de subir toda aquela distância até finalmente me recostar no sofá. As pessoas começaram a sair. Aos poucos, eu ouvia. E mal as portas se fecharam, abri um olho, não vi ninguém; abri o segundo, voltou a não surgir vivalma. Pude finalmente descontrair o diafragma, suspirar de alívio, levantar-me, deambular pelo metro vazio, e pela minha saúde que não dancei lá dentro por acaso. Um metro vazio para quem, como eu, é calcado setenta e duas vezes a caminho da escola, é um sonho tornado realidade. Vi dois rapazes do lado de fora a subir a avenida que, sabendo que este último percurso do veículo não deveria ser frequentado por passageiros, me olharam com deslumbramento. Quem lhes dera estar lá comigo. Na vida esgotante de estudante, esta situação seria como se eles estivessem a subir a Serra da Estrela debaixo de tempestade de neve e eu passasse de carro sem lhes dar boleia. Eu sorri-lhes, orgulhoso do estatuto que obtivera. Era um herói.
Claro que com o tempo esta técnica se vai apurando e se vai descobrindo novos níveis desta arte. Por exemplo, consigo saber o tempo que está a fazer lá fora, de olhos fechados do suposto sono profundo. Se ouvir fechos éclair a subir, ou está frio ou muito braguilhas estavam abertas. Se ouvir guarda-chuvas a abrir ou gente a comentar “chiça!”, é porque chove bem. Considero-me já o Ellery Queen dos invisuais. Poirot, de olhos cerrados, não faria melhor.
Mas há um senão neste meu estratagema: os outros passageiros. Já por várias vezes, algum imbecil lembra-se de me «acordar» antes de sair do metro: «olhe, desculpe, é a última paragem». Irado, consigo simular um sorriso ao mentecapto que arruinou a minha estratégia. Alguns, acredito que por boa vontade; outros são apenas pessoas medíocres que mais nada têm para fazer do que meterem o nariz onde ninguém os chamou. Alguns, até, serão movidos pela inveja, também eles queriam acompanhar-me até onde qualquer humano que não tivesse crachá do metro alguma vez chegara. Ainda por cima, tive o azar de ser o pioneiro deste plano de desviar as contrariedades impostas pelos intocáveis percursos dos transportes, num pais e numa cidade onde só parece ser cidadão quem meter a colher na sopa do vizinho. Então se eu estava a dormir tão bem no meu canto, por que cargas de água me haverão de estar a acordar? Chegarão de consciência pesada a casa se não o fizerem? Chegarão realizados a casa caso o façam? Em Londres, onde a frieza das pessoas corta mais do que a matutina neblina, este plano seria perfeito. Sem qualquer falha, erro de cálculo, qualquer contra a apontar.
Seja como for, este esquema funciona com irrepreensível regularidade. Se alguém está a pensar experimentá-lo, não o faça. Uma pessoa ainda passa. Mas alguém há-de estranhar um metro cheio de gente a ressonar e de pálpebras a tremer.


Diogo Hoffbauer (o regresso)

sábado, 21 de junho de 2008

Pressentindo o Futuro

Acabaram as aulas.
Passaram os exames.
Agora, aguardam-se as notas,
tomam-se as últimas decisões,
crescem-se os últimos centímetros.

É tempo de relembrar os últimos anos,
é tempo de esperar pela maioridade,
é tempo de ansiar pela nova fase da vida que se aproxima.






Passado o Verão já terá passado o tempo de esperar
e seremos adultos a caminho da faculdade.
Yupi hey!


>>>Mariana Silva

quarta-feira, 18 de junho de 2008

E o tempo disse ao tempo...



No tempo em que nós tínhamos tempo
Eu não sabia o que era ter tempo.

Depois, quando deixaste de ter tempo
para me dar tempo
Eu fiquei sem saber o que fazer,
quando se fica sem tempo!

Então, resolvi-me por aquilo que todos fazem
quando precisam de tempo: aprendi a viver sem tempo.

Agora
percebo que só na dispensa dos sonhos
onde não há relógios nem tic tacs
é que se pode ser dono das horas.

Não podemos manipula-las,
não podemos acelera-las,
não podemos retarda-las,
não podemos apaga-las.

E mesmo quem construiu o tempo
anda sempre com relógio.



>>> Mariana Silva

domingo, 15 de junho de 2008

de outros...


«Seja como a fonte que transborda
e não como o tanque
que contém sempre a mesma água»


in Veronika Decide Morrer,
de Paulo Coelho



>>Mariana Silva

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Devaneio Musical

Seguindo a sugestão da Teresa - e porque, realmente, o calor é muito intenso, a vontade de estudar muito pouca, e os exames muito próximos...- resolvi deixar-vos uma musiquinha...

Esta não é, de facto para qualquer ouvido - e digo isto nao no sentido de ser boa de mais ou de menos, mas sim porque não é fácil gostar dela, tão peculiar é a voz da cantora. No entanto, eu deixei-me seduzir pela letra, que mentalmente traduzo sempre que ouço a dita música - sendo que a letra é, para mim , a parte mais importante de uma música... Mas isso são outros carnavais.

Esta música, além de parte integrante na banda sonora da (re)conhecida série Grey's Anatomy, faz também parte do actual reclame da cerveja Superbock e foi, aliás, através do mesmo que eu fiquei a conhecê-la. Quanto à cantora, sei apenas que é Norte Americana e tem 28 anos, sendo a sua música de um estilo que ronda o pop rock e o country alternativo (mas podem ficar a saber mais através do site http://www.brandicarlile.com ).

Enjoy ;)


BRANDI CARLILE - 'The Story'



o dito reclame da Superbock... ;)




All of these lines across my face
Tell you the story of who I am
So many stories of where I've been
And how I got to where I am
But these stories don't mean anything
When you've got no one to tell them to
It's true...I was made for you

I climbed across the mountain tops
Swam all across the ocean blue
I crossed all the lines and I broke all the rules
But baby I broke them all for you
Because even when I was flat broke
You made me feel like a million bucks
You do
I was made for you

You see the smile that's on my mouth
It's hiding the words that don't come out
And all of my friends who think that I'm blessed
They don't know my head is a mess
No, they don't know who I really am
And they don't know what
I've been through like you do
And I was made for you...

All of these lines across my face
Tell you the story of who I am
So many stories of where I've been
And how I got to where I am
But these stories don't mean anything
When you've got no one to tell them to
It's true...I was made for you
* * *


>>> Mariana Silva

domingo, 8 de junho de 2008

A nossa cidade

As paredes sem textura,
Os tectos alheios à gravidade,
tudo flutua na certeza de existir
tudo remoínha nas janelas do futuro
na nossa cidade...

Onde tudo era calmo, apaziguante
Onde tudo era vivo, electrizante
As noites viravam dias sem o tempo perceber
E tudo era eterno sem ter existido sequer...!

E nós sabíamos, oh sabíamos
Que naqueles segundos em que éramos um só
Dávamos de nós o que nem sabíamos ter...

E os outros viam, oh viam,
o retrato feliz de uma tristeza complacente
o sorriso amargurado de quem muito sente...

E hoje, ao olharmos o passado
em jeitos de futuro, das janelas da nossa casa
sem paredes nem tecto,
nem existência nem gravidade...

Sabemos que não fomos mais que dois pedregulhos
com demasiada força para flutuarem, despreocupados.
Na nossa cidade de papel

que acabei por construir sozinha,
e ver arder.



>>> Mariana Silva