domingo, 20 de abril de 2008

Consciência reciclada

Este texto foi escrito num domingo à noite para ser entregue numa segunda-feira de manhã. Perdoem-me, portanto, a eventual insanidade. Até porque não me deu na cabeça para escrever sobre problemas ambientais, era mesmo o tema de um acontecimento no clube literário, no qual participei precisamente com a leitura "dramática" deste texto. Espero que gostem.


Confesso. Ambientalmente falando, sou um pecador. Parece-me óbvio que trinta ave-marias e cinquenta pais-nossos não vão fazer desaparecer as chicletes que já cuspi para o chão, os papeis que já deitei para o passeio, que vai recuperar a água que já desperdicei enquanto lavava aos dentes. Mas ainda assim me confesso, porque, convenhamos, que atire a primeira pedra quem já não pediu sacos de plástico no supermercado.
No outro dia, mantive a mais acesa discussão com a minha própria consciência. O meu senso comum – raios os partam, as vezes que ele já me tramou – tratou de aparecer à hora errada, quando eu estava prestes a atirar ao chão o plástico do meu Bolicao.
«Hum… Muito bonito…»
«Eu não diria bonito, tenho a minha piada, mas escusas de te atirar a mim porque eu não estou interessado…»
«Deixa de ser parvo!»
«Eu, deixar de ser parvo? Alguma vez pediste ao Cavaco para deixar de ser feio? Há coisas que não mudam, amigo.»
«Estou a referir-me à embalagem do Bolicao. Vais atirá-la ao chão?»
«Não me chateies. Está longe o caixote do lixo!»
«Faz um esforço…»
«Olha, vai lá tu levá-la. Aproveitas a ficas por lá, para ver se te reciclam as ideias»
«Olha que vais por uma orelha!»
«Está bem…»
A minha consciência consegue ser muito persuasiva, eu falo por conhecimento de causa. Cada vez que levo os dentes e deixo a torneira aberta enquanto os escovo, parece que a ouço tossir, viro-me, está ela de braços cruzados, a bater o pé, à espera que eu lá feche a torneira para ela poder ir embora e eu ter alguma privacidade, ou não se passasse toda esta cena num quarto de banho.
Imagino que todas as consciências de todas as pessoas do mundo tenham reuniões mensais – presididas pela Mãe Natureza - para terem novos valores incutidos, fazerem o balanço dos pecados cometidos pelos seus donos, terem workshops de poder de persuasão. Também das reuniões fazem parte o Buraco do Ozono – que é tão grande que tem de ficar do lado de fora da porta – e representantes de animais em vias de extinção – o panda é muitas vezes o escolhido.
Diz a minha consciência o seu depoimento: “Ai, aquele Diogo… Eu já lhe disse para começar a fazer a reciclagem… Parece que é surdo!”
Sim, batam-me. Não faço a reciclagem. Mas façam o que eu digo, e não façam o que faço. Até porque é bem provável que eu comece a reciclar assim que os irritantes miúdos do EcoPonto deixem de passar na televisão. Antes disso, acho difícil. Só me apetece é atirar o lixo à cara deles.
Bem… Podemos sempre ir viver para a lua, não é?



Diogo Hoffbauer

9 comentários:

Anónimo disse...

O lixo, que querias atirar aos miúdos do EcoPonto, caíu todo em cima de mim.
A minha consciencia também falou:
"Ai, vóvó Tété, como tens chateado o pobre Diogo com a tua mania da "reciclagem". E agora aí tens a marmelada: o Diogo nao vai passar as férias de Verao a Düsseldorf, mas sim a Sylt."
Viel Spaß !!!

Anónimo disse...

Bem ja fizeste textos muito melhores, bem vá lá não sou a unica que não acha aqueles miudos do EcoPonto uma ternurinha mas uns putos irritantes a dizer "Por Favor!!! Vá lá!... Não é por mim é por ela!" Bem por vezes são amorosos mas tantas vezes o reclame ja chateia. O Homem deve ter consciencia civica em alguns países existe mesmo coimas aplicadas aos actos de deitar lixo para o chão. Como Immanuel Kant diz a felicidade deve surgir do sentimento puro de respeito pelo dever e na maneira de Stuart Mill só com o Supremo bem é que o Homem atingirá a verdadeira e pura felicidade graças aos prazeres superiores, mas filosofias à parte Kant tem razão no que diz.

Questão: Segundo a minha área (Quimico-biologicas) será que estes actos são possiveis por conterem alguma formação genética diferente a nível do DNA, ou no Retículo Endoplasmatico Rugoso (por causa dos ribossomas e lisosomas), ou nas mitocondrias ou simplesmente por um bem estar (preguiça) de não deitar no lixo mas para o chão? Bem isto não é perciso pensar muito, decerto que é pela preguiça sebem que secalhar tenha algo modificado nos nossos genes.

kussen

Just_me

PS: Amanha tenho teste de Português e com isto ainda tenho de rever duas coisas mas eu também não reciclo e tal como tu Diogo, eu por vezes também tenho a consciencia a dizer:"Guarda isso na mochila depois deitas fora", e agora mais ou menos mecanicamente ja o faço.

Anónimo disse...

cada vez os meus comentários são maiores :o

Just_me

Batata disse...

Cara just_me,

penso não ser preciso enveredar pela química para perceber este fenómeno que é a falta de consciência cívica das pessoas. Eu confesso-me um leigo na tua área, mas enquanto as ciências empíricas vão mudando de dia para dia, a verdadeira essência da vida humana mantém-se desde o primeiro homem que pisou a terra. Basta ler a Bíblia ou passagens Dela para nos apercebermos de que o homem e a sua relação com os outros não mudou muito.
Depois, acho que enveredaste num contrasenso dificil de driblar: dás a tua opinião sobre uma citação de Kant numa frase que começa com "filosofias à parte", o que, convenhamos, é paradoxal.
Depois, dás uma visão repleta de termos técnicos para explicar aquilo acerca do qual o senso comum se encarrega de nos fazer corar na nossa pequenez, que nem do que é nosso sabemos cuidar com devido resguardo. Tiveste azar, porque apanhaste alguém como eu, muito céptico em relação a ciências como a química e a física. Considero até mais factuais a Psicologia pela forma como os seus paradigmas evoluem, e não são substituidos. Mas parece vã a evocação de Retículos Endoplasmaticos Rugosos quando aquilo que impede um homem de deitar fora o papel de Bolicao é nada mais, nada menos, do que a famigerada mangona.

Obrigado por comentares, e boa sorte para o teste, mas já que vais para um teste de português, aqui vai uma ajuda: "perciso" escreve-se "preciso" e evita coisas como "sebem que secalhar", que são capazes de ser um pouco, digamos, parvas.

;)

Diogo Hoffbauer

ematejoca disse...

Um excelente comentário.
Melhor do que o próprio texto.

Anónimo disse...

Tambem acho!

Anónimo disse...

Ei, filhote, de facto, a resposta à bioquímica foi de mestre. Fiquei na dúvida, isso sim, se no fim de ler a tua resposta ela se terá enfiado num eco-ponto ou num vulgar caixote do lixo...

Anónimo disse...

Eu recebi na minha @-mail os tres últimos comentários sobre este texto.
Qual é a explicacao para um caso destes?

Beijinhos de um Düsseldorf cheio de sol e de calor.

Anónimo disse...

Foi estupido da minha perte ter entrado por esses caminhos, mas obrigada pela preocupação estou bem e o teste correu lindamente, mas gafs também acontecem

Just_me