quinta-feira, 29 de maio de 2008

2+2=4

Desde míúda sempre me disseram que eu falava demais, e à medida que fui crescendo, como não encontrava ninguém com paciência para me ouvir, aprendi a falar para o papel. Desta vez, o texto que aqui vos deixo é, provavelmente, a minha primeira viagem séria ao mundo da escrita. Após alguns poemas melodramáticos, influenciados pela minha leitura (precoce?) de Florbela Espanca, estava eu um dia a arrumar a roupa no armário e surgiu-me a metáfora de um casal tão diferente mas que, ainda assim, resultasse na perfeição, tal qual equação matemática. Ora bem, como nunca fui muito amiga dos números, decidi simplificar a coisa e fiquei-me pelo simples '2+2'...
Apresentei o texto à minha professora de português da altura, ela chamou-me à parte a perguntar se eu estava bem. No ano seguinte, o meu décimo ano, primeiro na área de línguas, mostrei o texto à minha actual professora de português, que durante semanas me apontava como 'a menina do 2+2 são 4', esquecendo até que eu provavelmente tinha um nome...!
Não há amigo ou colega meu que nunca tenha lido ou ouvido ler este pedaço de qualquer coisa. Ainda hoje, ainda há quem me diga que este é o meu melhor texto - mas eu prefiro acreditar que este foi apenas o primeiro de muitos e que é isso que o torna tão especial para mim.



DOIS E DOIS SÃO QUATRO

Essa tua vida precisava de uma reviravolta, precisava de acção.
O teu gosto pela Angelina Jolie e por futebol preenchia-te os dias rotineiros de casa-emprego e emprego-casa, em que não bebias mais do que um copo de vinho à refeição pois podia acusar se o polícia te mandasse parar e tu tivesses de soprar o balão.
Nunca correste riscos, sempre te mantiveste preso nessa tua carapaça de caracol enervado com os que são doidos, mas acabaste por te apaixonar por mim, cigarra que canta sem medo de que o inverno chegue.
Lógico como és, planeaste toda a nossa vida, esquecendo que quando a vida é planeada não tem piada, porque a vida vai estragar todos esses planos e é trabalho deitado ao lixo.
Mas é lógico que tu não pensas nessas coisas que eu gosto de chamar “sonhos”. Tu pensas em conforto, segurança, estabilidade financeira, normalidade, rotina.
E lá apareci eu na tua vida, de malas e bagagens para o teu T1 e a arrastar comigo o meu gato que largava pêlo em todo o lado.
As minhas tangas espalhadas na gaveta, os meus cremes e batons em cima da cómoda, a cama por fazer ao fim-de-semana... Odiavas tudo isso, tu, que tinhas as cuecas ordenadas por cor na gaveta e os teus «produtos masculinos» arrumados num lugar escondido.
Mas no início lá fazias a cama às escondidas, para depois te deitares em cima dela e a desmanchares de novo. E eu lá te continuava a fazer o pequeno-almoço com Chocapic, enquanto tu murmuravas um «ó querida, tu sabes que eu tomo café» e me deixavas a olhar para a taça, a ver os cereais flutuarem.
Ambos fomos benevolentes, enquanto nos roíamos por dentro, na esperança de que o outro mudasse.
Explodimos, mas discussão atrás de discussão foste percebendo que eu não podia mudar, porque eu sou um texto com erros, um problema sem solução, uma «não-lógica». E eu também percebi que tu não mudarias, porque tudo é certo nessa tua vida ordenada por cores e sabores, com frascos etiquetados e livros arrumados por autor.
Eu não mudo porque gosto de ser assim e tu não mudas porque não sabes ser de outra maneira.
Deixa-me despentear-te esse cabelo, vamos voar deitados, vamos ser selvagens no sofá, vamos beber leite com Nesquik ao sábado, enquanto vemos o Nemo. Dá-me a mão e corre comigo pela praia, vai buscar o jornal de chinelos, come frango sem usar talheres, bebe cerveja pela garrafa.
Ensina-me a tirar as nódoas da roupa, ordena-me os livros por ordem alfabética, vamos combinar a roupa por cores e tecidos. Vamos a museus, vamos ler jornais americanos, vamos ver o canal História e discutir política. Vamos jantar a restaurantes caros, vamos comprar champanhe para nem sequer o beber.
Porque quando eu te conheci tu eras um adulto sério, vem ser agora um adulto brincalhão, com vontade de pintar a vida a cores alegres e de atirar pipocas no cinema.
Porque quando eu te conheci era uma adulta destrambelhada, vou tentar ser mais séria e convencional e respeitar um compromisso, enquanto escolho um bom vinho e falo do Hitler.
Porque sozinhos representamos mundos diferentes, vamos unir-nos e formar um novo mundo, enquanto tu despenteias e eu penteio o cabelo.
Vamos ser rebeldes e sérios, vamos ser um só, vamos mudar e aceitar mudanças, vamos partilhar e guardar segredos, vamos comer caviar e batatas fritas.
Porque dois e dois só pode dar quatro.


Mariana Silva
[25 De Fevereiro 2005]

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Homo ignorantis

De todas as três ou quatro gerações que compõem a sociedade, o bode expiatório é sempre a juventude. E como poderia não ser? O que o comum do cidadão vê destes jovens são notícias de agressões, insolência, vandalismo. É desta geração os jovens que partiram tudo em Lloret del Mar. É desta geração a rapariga que quase atirava uma professora ao chão, facto que só escandaliza o mais céptico, pois pior já aconteceu há muito, esta bomba só rebentou pela coragem – chamemos «coragem» ao atrevimento – do aluno que filmou e incendiou o rastilho. É esta geração que combina suicídios colectivos pela internet. São desta geração as jovens que metem os dedos goela abaixo para vomitarem o que comeram e o que não comeram, saindo orgulhosas das suas costelas. São desta geração os eremitas no novo século, que cortam qualquer vida social, escondem-se debaixo dos lençóis, chorando um mundo que fosse em tudo igual àquele que eles vivem quando fecham os olhos ou quando ligam o computador. É esta a geração que repete até à exaustão as piadas do Gato Fedorento sem lhes entenderem a verdadeira paródia. Foi esta geração que respondeu Não sei às perguntas do inquérito apresentado na Universidade Católica, que fez Cavaco suspirar e abanar a cabeça. É esta geração que não lê, que vomita os Lusíadas. É esta geração que não sabe somar de cabeça. É esta geração que, na altura das decisões, vai para Letras para fugir da Matemática e acaba por reprovar porque não sabe ler; que vai para Ciências porque não sabe ler e acaba por reprovar a Matemática. Esta é a geração que só exercita o dedo polegar a escrever SMS, e o mais perto que está do desporto é a discuti-lo com os amigos.
Pobre Descartes, quando disse que a juventude se alimenta da ilusão. Esta juventude alimenta-se de tudo menos de realidades putativas. A única ilusão que têm é de que são o centro do mundo. E deixa de ser ilusão quando, por uma aluna tirar o telemóvel a uma professora, o mundo pára; passa a ser realidade. O seu frio na barriga provém da roupa que usará do dia seguinte, de não encontrar o carregador do telemóvel, do perfil do hi5 da namorada do ex-namorado. Não há noção de longo-prazo, de potencialidades, de futuro. Não há patriotismo excepto para pôr uma bandeira – muitas delas ao contrário - na varanda, com a intenção de mostrar o apoio a um monte de tipos que, salvo excepções, dá meia dúzia de pontapés na bola porque um brasileiro manda.
Falta maturidade. Falta perceber que a política é a diferença entre a selva e a sociedade. O pseudo-anarquismo que envolve a sua pseudo-irreverência não lhes permite compreender que respeito à evolução foi o que permitiu deixar-mos de viver em cavernas e ter-mos hoje telemóveis que os professores nos possam tirar nas aulas. Seguindo esta teórica regressão, e confiando na evolutiva teoria de Darwin, não faltará muito até que sejamos símios rodeados de computadores, telemóveis e televisões plasma para podermos ver bem os outros tipos a dar pontapés na bola e inspirarmos as nossas mentes primatas nas rebeldias moralmente incorrectas, didacticamente muito ricas dos personagens dos Morangos com Açúcar.
Os jovens em geral causam repulsa por parte das pessoas. Há professores a pedir a reforma, abdicando do seu dinheiro para deixar de aturar energúmenos, os velhos fogem de quem usa demasiado gel e tem as cuecas à vista.
Isto tudo é uma bola de neve. O jovem cresce a ver o irmão a deixar os poucos livros que tem a apodrecer na prateleira; que vontade pode ter ele de pegar num Camilo, num Júlio Dinis, ou internacionalmente num Dumas, num James Joyce, num Dostoiévski? Tem telemóvel aos oito anos, computador desde sempre, vai falar com os amigos num linguagem infestada de kapas e xises ou vai ler um D. Quixote de la Mancha sem kapas e onde o “x” só aparece no nome do protagonista?
Na TV, vão ver a novela ou vão ouvir o Ministro da Economia na Grande Entrevista? Vão ligar a RTP2 ou vão ligar a SIC Radical? Vão perder tempo a aprender quem foi Ramalho Eanes ou a jogar consolas?
Esperem até os pelos começarem a ser mais frequentes, as caudas começarem a crescer e começarmos a cheirar os rabos uns dos outros que sentiremos Salazar a remexer-se no túmulo, o fantasma de uma juventude promissora que não foi nem deixou outros o serem.


Diogo Hoffbauer

pseudo.poema II

Podias ter-me dito
que serias a parte mais ruim de mim!
Tu que sabes tudo
(fazendo pouco dos sabichões do eterno nada)
podias ter-me dito que a nossa eternidade
seria a sombra do efémero.

Assim
a felicidade seria um sorriso rasgado a medo
como as cartas que não mandaste
como as fotos que não temos
como os planos que não escrevemos.
E ainda bem.

Varri-te pela janela
do quarto andar da minha casa térrea
E colei a tua sombra
ao tecto do meu terraço.

És meu.
Podias ter-me dito.



>>> Mariana Silva

terça-feira, 13 de maio de 2008

DEVANEIO MUSICAL - de devanear e chorar por mais

Fiquei boquiaberta.
Não é novidade nenhuma que existem crianças prodígio, mas é novidade - pelo menos para mim - que uma criança consiga, em tão tenra idade, imprimir um cunho pessoal numa canção, interpretando-a com tanto sentimento como se tivesse atrelada a si uma carruagem de sentimentos e vivências profundas.




A menina que vos apresento chama-se Connie Talbot e foi finalista do programa do Reino Unido 'Britain's got Talent' (o equivalente ao nosso 'Aqui há talento')no ano passado. Eu, com muita pena minha, só recentemente descobri este 'talento'. Com apenas seis anos, Connie conseguiu comover jurados, plateias e toda uma Nação que se rendeu aos encantos desta 'little princess'. Agora, com oito anos a completar em Novembro, esta pequerrucha tem já um Cd gravado, intitulado 'Over the Rainbow' - uma alusão ao clássico com que brindou Inglaterra e, graças à internet, também o mundo.

Senhoras e senhores: Connie Talbot.





['Over the Rainbow' e 'What a wonderful World' - Connie Talbot]



>>> Mariana Silva

segunda-feira, 12 de maio de 2008

de malas e bagagens



Porque é que não me deixas em paz?
Porque é que não desapareces sem deixar rasto, levando contigo as memórias boas e más, para que não possa haver nem sequer saudade do tempo que passou?

Leva tudo contigo, não me deixes nada, pois agora nada és e nada somos. Não me interesso pelas cartas que escreveste, pelas fotos amachucadas nos cantos de tanto serem remexidas, pelos bilhetes dos filmes, concertos, peças de teatro a que assistimos, nem tampouco me interesso pelos pacotes de açúcar das tardes passadas no café, quando saíamos das aulas e a chuva era tão forte que a cafeína era o nosso único refúgio.
Nada disso me interessa.

Leva tudo contigo e não deixes ficar nem a tua sombra esquecida nas paredes brancas, pálidas de falta de tacto, nem deixes ficar no soalho o ranger dos teus passos largos, nem nos lençóis o cheiro inodoro, que não sai por muito que seja lavado, tão impregnado que está na cama onde jaz o meu corpo que foi outrora teu.
Leva tudo contigo, diz-me que levas tudo e que não deixas ficar nada esquecido em nenhuma gaveta de mim, diz-me que tens já as malas feitas e que nelas coube tudo o que te pertencia. Porque eu já não quero nada, eu já estou exausta de tanto querer…
Leva, leva tudo, as manhãs, as tardes e as noites, os beijos, as carícias e os abraços, leva as palavras doces e os sussurros, as gargalhadas e os olhares rasgados, os tremores de excitação e o nervoso miudinho que trepa no fundo da barriga. Leva, leva tudo atrelado ao teu corpo que agora vejo partir sem sequer olhar para trás, sem tentar travar a última batalha até cair rendido, agitando a bandeira branca…

Porque é que insistes em partir deixando comigo pedaços do teu ‘eu’ desfeito? Eu não o quero, não o posso querer mais, não consigo, estou exausta de esperar por um tempo que não chega, por uma altura oportuna, por um momento esparso, rodopiante, em que tudo volte a ser perfeito, em que eu volte a acreditar na perfeição sabendo perfeitamente que ela não existe…

Estou quebrada, sem asas, atada ao chão que me deste, árido, seco, onde nada cresce, onde apenas sinto esvoaçar os grãos da areia em que outrora arrastávamos os passos, num compasso sonante e com sentido…
Agora? Agora não és nada e nada somos, por isso leva tudo, leva, leva tudo contigo, não me deixes ficar nada, porque nada me interessa, já nem eu me interesso, leva-me também, perdida nesses olhos e sorriso, nesse corpo que sempre soube como cavalgar sem mapa pelas dunas da minha mente… Mas que agora se perdeu numa tempestade de deserto, e já não sabe o caminho de volta.

Dá-me a mão e larga-a de uma vez, com a rapidez com que se tira um penso rápido, para que tudo doa menos e para que o sabor do adeus seja simples, como os cafés das tardes chuvosas do tempo em que éramos um só.

Porque é que não vais?
Eu já não consigo aqui ficar.


>>> Mariana Silva
[14 Abril 2008]

sexta-feira, 9 de maio de 2008

pseudo.poema

Arrastas contigo a insignificância
E até me dói saber que fomos um do outro.


Pesas-me no centro do corpo
E sinto-me tombar
Pender para o lado esquerdo,
O lado mais ruim.


És tu a sombra do que fui
Porque sem ti não mais o sou.
(Sim,
as pessoas mudam.)


Corto as amarras do teu porto
E deixo-me navegar sem rumo
até se confundirem
as noites com os dias
e os dias com as noites;
a pressa com a eternidade
e a juventude com a idade.


E só pararei
Quando já não souber voltar pra casa.



>>> Mariana Silva

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Eu e tu, tu e eu

Peço desculpas pela ausência, mas realmente a minha inspiração andava muito em baixo. Agora voltou! Como expliquei ao Diogo (por falar nisso, alguém sabe por onde é que ele anda? :p) estar isolada é o meu combustível literário!
Deixo-vos um texto que escrevi hoje mesmo - e nem devia ter trabalhado, por ser o feriado que é... Enfim.. o que eu não faço por vocês...! :D

* * *


Faço a cama, desfazes a cama. Começo a lavar a louça à mão, pegas nela e encafua-la na máquina de lavar “para tirar as manchas”, dizes tu. Abro as cortinas para entrar sol, fechas as cortinas para os vizinhos não espreitarem. Proponho jantar fora, queres alugar um filme e ficar por casa. Proponho ficar em casa e só queres sair porta fora, à descoberta da noite. Digo que sim, dizes que não. Berro que não, gritas que sim. Eu quero e tu não me dás, eu dou-te e tu não queres. Peço e não consegues dar-me, posso dar-te e tu não pedes. Não digo nada para não discutirmos, e tu discutes por eu não ter dito nada. Se adormeço, querias que tivesse ficado acordada a conversar. Se me apetece conversar, és o primeiro a querer dormir. Ponho num canal de tv, mudas porque não te apetece ver e desconfio que mesmo quando nos apetece aos dois ver a mesma coisa, a birra já está implícita. Sim e não, não e sim. Eu e tu, tu e eu.
Somos nós, poderosos, detentores de vontade individuais e de uma comum, superior, a de ficarmos juntos ‘no matter what’.
Vontade de não conhecer as unidades de tempo que regem a vida dos humanos, de quebrar relógios e desperdiçar horas fazendo nada, juntos, simplesmente porque o tempo não dura mais só por ser acumulado.
Vontade de chorar, rir, fazer caretas e dar mimos, cada coisa em seu lugar, em seu momento, sabendo sempre a que momento pertence o quê, descodificando as necessidades no olhar do outro, no jeito do outro, na alma do outro.
Vontade de fazer cócegas e embalar medos, sonhar acordados nas manhãs de domingo, com o pequeno-almoço na cama e os desenhos animados na televisão.
Vontade de trocar sms’s, atender telefonemas só para sentir perto a voz de quem está longe, rever na mente momentos gravados a canivete, como nos filme americanos fazem os casais, marcando as árvores.
Vontade de termos o nosso espaço, os nossos livros, a nossa música, as nossas fotos, os nossos filmes, as nossas saídas, as nossas idas e os nossos regressos, os nossos momentos, os nossos segredos, a nossa privacidade e a nossa vida social, de termos tudo e darmos-lhe valor porque sabemos que o podemos perder a qualquer momento.
Vontade de vermos o tempo passar, o tempo que desejamos por vezes quebrar e, por outras, acelerar... Vontade de termos um rancho de filhos, nada de jogadores de futebol ou misses, de comprar uma casa enorme, com quintal e uma casota de telhado vermelho, um cachorrinho pronto a saudar-nos ao entrarmos em casa, com um nome moderno e de pessoa, o que nós queremos é humanizar o bicho, nada de Ticos, Bobbys e afins.
Vontade de fazer escapadinhas de fim-de-semana, montanha, praia, selva ou deserto, enfiarmo-nos num avião com destino de sonho e cansarmos o corpo com projectos irrealizáveis.
Vontade de sair sem rumo e ficar na cama por preguiça, vontade de ter tantos momentos para partilhar que chegamos mesmo a sentir que a eternidade não chega.

É isto o amor. Mas, e isso ambos sabemos e de certeza concordamos, não sobrevive de vontades.


>>> Mariana Silva